Fuja do filhocentrismo
A vida         familiar transformou-se radicalmente.
Pais e filhos encontravam-se três vezes ao dia,
no caso dos papais, ou viam-se o dia todo, no
caso das mamães. Agora é tudo diferente
Pais e filhos encontravam-se três vezes ao dia,
no caso dos papais, ou viam-se o dia todo, no
caso das mamães. Agora é tudo diferente
Edgar         Flexa Ribeiro
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| Ilustração: Will | 
A cena é         costumeira. A mãe vai ao shopping center trocar um         vestido e não ousa voltar para casa sem um brinquedo         novo para o filho. O pai, por sua vez, sente-se na         obrigação de pôr em casa tudo o que a TV sugere que as         crianças deveriam ter. E o faz na certeza de que seus         filhos serão felizes se ele assim proceder. Essa mamãe         e esse papai, que tanto fazem, e trazem, para agradar à         criança ou às crianças que têm em casa, podem estar         mais errados do que certos — sobretudo quando essa         meninada tem mais brinquedos do que conseguem usar. Casos         assim estão se tornando freqüentes e já podem ser         catalogados como uma deformação contemporânea: o         filhocentrismo, forma nova e pouco saudável de agir na         educação de um filho. 
Restam até hoje em         nossa memória resquícios de um Brasil passado, que         surge em nosso retrovisor povoado de virtudes que não         encontramos mais: vida tranqüila e previsível, cidade         acolhedora, a casa onde todos se reuniam em volta da mesa         ao menos uma vez por dia, a presença do pai e da mãe, e         todos sabendo o que devia ser feito. Num curto período         tudo virou de cabeça para baixo. Inverteu-se a relação         entre população rural e urbana, as cidades incharam, as         relações econômicas se alteraram e, sobretudo, a         mulher ingressou no mercado de trabalho. Em decorrência,         a estrutura social e a vida familiar transformaram-se         radicalmente. Pais e filhos encontravam-se três vezes ao         dia, no caso dos papais, ou viam-se o dia todo, no caso         das mamães. Agora é tudo diferente. 
O filhocentrismo         guarda parentesco distante com a superproteção, mas é         importante saber distingui-los. Pais superprotetores         sempre houve, incapazes de um mínimo de objetividade,         preferindo passar a mão na cabeça do pimpolho. Semeiam         ventos, e geralmente são os filhos superprotegidos que         colhem tempestades. As vítimas do filhocentrismo são         figuras mais recentes, inseguras na sua condição de         pais, atordoadas por uma realidade sempre nova,         sentindo-se pessoalmente culpadas por não poder         reproduzir para o filho a vida que tiveram em criança. 
As ações de ambos         podem ser exteriormente parecidas, ou até as mesmas. Mas         os filhocêntricos se anulam e se vêem incapazes de         lidar com o dever de dizer não ao filho, de estabelecer         limites, de sinalizar o espaço da criança a partir de         seu próprio espaço de pais, pois incineram a própria         identidade sob o pretexto de amar a criança         desenfreadamente. Esses negam aos filhos sua própria         imagem de pai. Também conspiram contra a construção da         identidade dos filhos. É visível na sociedade atual uma         saudável preocupação com as crianças. Protegidas com         especial cuidado pelo Código Nacional de Trânsito,         cercadas de toda sorte de atenções, talvez, como nunca         no passado, elas sejam vistas hoje como elo entre nós e         o futuro. Um eloqüente sinal disso é que finalmente a         educação extravasa dos discursos oficiais para se         transformar numa preocupação cotidiana e concreta. 
Mas, quando a         criança passa a ser a única razão de ser do casal e         atender o pequerrucho sempre, sem limites, passa a ser         uma fixação, estamos lidando com algo muito diferente.         Não se está propondo que pais abandonem os filhos, ou         seja, que esqueçam que lá em casa tem alguém que         precisa de atenção. De forma alguma. Quer-se aqui         apenas sugerir aos pais que mantenham uma vida própria e         zelem por ela. Até para que seus filhos saibam fazer o         mesmo quando chegar a hora deles. 
Edgar         Flexa Ribeiro é advogado e diretor do Colégio         Andrews, do Rio de Janeiro
 

 
 

 
 
 


 


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